segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

SERÃO OS EXTRATERRESTRES DE HOJE UMA VERSÃO DOS MONSTROS SÉCULO XVI???

Mesmo que isso não seja algo que inviabilize estudos sérios no campo da ufologia – e, pelo contrário, signifique uma interessante linha de investigação para ufólogos –, o meio ufologista está repleto de fabulações. Os relatos extraordinários abundam e, na verdade, acabam por ser uma das características fundamentais daquela que pretende ser a “ciência dos ufos”.

Encontrei subsídios muito úteis para pensar a questão na abordagem feita pela historiadora brasileira Mary Del Priore, professora na Universidade de São Paulo, em seu livro "Esquecidos por Deus: monstros do mundo europeu e ibero-americano: uma história dos monstros de Velho e do Novo Mundo (séculos século XVI -XVIII)", publicado pela Companhia das Letras em 2000.
Ela diz que, ao vasculhar uma produção historiográfica de 200 anos sobre o tema, conseguiu “Resgatar do fundo cultural europeu do século XVI ao XVIII, algumas estruturas mentais por meio das quais se concebiam os monstros e sua diferença.” Del Priore assinala que “‘O possível não se distinguia do impossível’. Os cronistas e viajantes afirmavam, mão sobre o coração, ser verdade o que diziam. Em nome de sua experiência pessoal? Raramente. Com freqüência, em nome da experiência de outrem, de alguém digno de fé, de quem se ouvira falar uma história ‘de verdade’ sobre monstros e monstrengos.”

Tantos relatos resultaram em um consenso geral e sólido, que só foi solapado pela afirmação e investigação “fundada na observação e na experiência”, o que configurou (e configura) a metodologia científica, não mais “confiando” em narrações de “arrepiar o cabelo” – tão prazerosas, tão anunciadoras do empolgante “fora do comum”, mas carentes de sustentação além do “juro que vi” ou “me disseram que viram com os próprios olhos” etc.

Ainda na introdução do seu livro, a historiadora anuncia, quase poeticamente: “Passeio por um universo insólito e ao mesmo tempo cotidiano, passeio pelas ‘marcas de nossos medos’, essa história dos monstros se esforça por penetrar e descobrir no espírito do passado o porquê do imaginário ser tão importante, tão digno de interesse e de poder quanto o visível.” E esta aí, também, um aspecto do respeito que devemos ter em relação aos relatos “ufológicos”, que todos os dias escutamos novos.


IMAGENS – No bestiário, livro com relações de monstros e afins, de Marcotelius, abade e filho de "Felipe, o Bom", príncipe francês nascido em 1396, havia a descrição, com ilustração, de um ser que tem conformações que se assemelham a de gravuras de extraterrestres contemporâneos. Trata-se do "cardeal do mar" (veja a ilustração em anexo), que Del Priory descreve como "imenso peixe dotado de cabeça humana coroada por uma mitra que, segundo uma história relatada por Petrorius, teria aparecido em 1433 no litoral da Polônia. Depois de ter entretido bispos locais, com os quais se comunicara por gestos, abençoou a todos, desaparecendo a seguir num sonoro e elegante mergulho."

Ufologistas poderiam dizer que "está aí mais uma confirmação da existência de seres extraterrestre desde séculos passados". Mas outra argumentação poderá dizer que os ETs são uma continuidade do atávico motor humano a fabricar suas fabulações, imprimindo nelas seus temores, expectativas, referências culturais e a vontade de emocionar-se com o transcendental, o não-ordinário, o incomum.

Eis o que me parece indicar o texto da professora da USP: Manter-se atento, não descartando, mas também não endossando imediatamente os relatos alheios – ou, mesmo, as nossas próprias visões!


FINALIZANDO – No capítulo de conclusão, a autora lança uma síntese, que também pode servir para as “histórias de ETs”, nos remetendo a mais e maiores estudos: “Há nessa trajetória uma quase universalidade de imaginação sobre os monstros em todas as sociedades, do passado e do presente. O que leva a pensar que eles [os monstros, ou ETs] têm, aí, um papel importante; os homens, todos eles, obrigam-se a construir mentalmente algo que lhes dê medo. E o medo pode ter suas fontes na religião, na ciência ou na política.”









Iuri J. Azeredo - comentarista do programa
Conexão Ufo, Rádio Comunitária de Santa Cruz do Sul (FM 109,5) e http://conexoufo.blogspot.com

2 comentários:

  1. Nem é bem um comentário, mas uma extensão da postagem...

    Lobisomens e chupa-cabras

    No romance Fogo Morto, considerado a obra-prima do escritor José Lins do Rego, há um personagem, o mestre celeiro José Amaro, que ganha fama de ser lobisomem, porque, foi visto algumas vezes “suspeitamente” vagando nas proximidades de sua casa à noite – quando, na verdade, apenas buscava se refrescar e espairecer após um dia estafante. Mas a fama espalhou-se e o homem – agora tornado lobisomem – começou a por medo até em sua mulher.

    A história ficcional de Lins do Rego, mas nutrida das suas vivências infantis e juvenis no nordeste brasileiro, interiores do estado da Paraíba das primeiras décadas do século 20, na zona de engenhos de cana-de-açúcar, com seus cangaceiros e devoções religiosas, registra, entre outros elementos socioculturais, a permanência viva de crendices de origem européias de séculos passados (500 anos, talvez).

    Mary Del Priore, no seu já citado “Esquecidos por Deus: Monstros no mundo Europeu e Ibero-Americano”, diz que, no Concílio Ecumênico de 1414, os lobisomens ganharam o reconhecimento oficial até mesmo da Igreja Católica, em mais uma demonstração de que instituições tidas como fidedignas atestam como verdades o que não passa invento de lenda – gênero literário, de transmissão escrita ou oral (seja formal ou informal), que, acho eu, não devem ser desconsiderados em seus potenciais reveladores de conteúdos mais profundos da psique e das sociedades humanas, quando não de verdades por traz de cortinas de fumaça...

    O “reconhecimento” de uma organização como a igreja cristã romana fez com que os casos de “licantropia” – transformação de um homem num híbrido com lobo – subissem vertiginosamente. “Entre 1520 e os meados do século XVII verificaram-se 30 mil casos no continente europeu.” [...] Segundo a concepção corrente, os lobisomens, após sua morte, tornavam-se “famintos mortos-vivos a sugar impiedosamente o sangue de suas vítimas”, anota a historiadora Del Priore.

    Novamente me remeti aos relatos de contatos “ufológicos”... Não há aí, mais uma vez, paralelos e continuidades entre os lobisomens do século 13 e o do livro Fogo Morto com os relatos “pavorosos” envolvendo chupa-cabras e outros “monstrengos” tidos como “extraterrestres”??? Sangue, aparições noturnas, marcas e... busca frustrada de provas – mas, mesmo assim, as narrações continuam e se renovam, “enfeitiçando” a nós, sedentos do miraculoso e do terrificante...

    Não deve ser a toa que hoje o chupa-cabras coloca-se como mais um personagem do folclore popular brasileiro (e em outros países), junto com o curupira, o saci-pererê, a mula-sem-cabeça etc. E, de novo, há aí o “dedo” de muito “ufólogo” a contribuir para a expansão de um “folclorismo ufológico” em lugar do estudo metódico...

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  2. Colocaria no mesmo saco dos Novos Monstros, além dos ETs (na sua forma banal de entendimento), as catástrofes naturais e epidemias. Estas, customizadas pela mídia, geram histerias (e dividendos aos expertos) tão grandes quanto os eclipses na Idade Média. Por mais que seja necessário estar atento, se tenha informação e registros como nunca antes na história, justamente a edição e repetição de certa face de alguns assuntos, geram mesmo é a desinformação ou distorção na percepção da realidade.
    Só as estatísticas geológicas e o álcool gel salvam!

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